sábado, 22 de novembro de 2008

As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das ciências humanas (Michel Foucault)


Antecipar o fim: a morte do homem, simultaneamente quando há o nascimento das ciências humanas. Se o nascimento do homem como objeto de estudo é a própria luz da modernidade – a modernidade nasce quando ela própria morre, junto com o homem. Que homem morre? Ora, aquele que é objeto de conhecimento. De que modo? É disto que se trata: de Velásquez ao homem e seus duplos.

É preciso definir três estratos históricos ou períodos históricos, organizados todos como se fossem camadas num mesmo solo epistemológico, assim fazem-se as escavações arqueológicas. Num primeiro estrato: o Renascimento (século XVI/XVII); num segundo estrato: a Época Clássica (século XVII/XVIII); num terceiro: a Modernidade (século XVIII/XIX). Neste solo, Foucault organizou essas três sedimentações em torno do qual o conhecimento sobre o homem se organizou.

No Renascimento (séc. XVI-XVII) – a prosa do mundo e as quatro similitudes. Simpatia, Convenientia, Aemulatio e Analogia indicam as quatro figuras principais que articulavam o saber da semelhança: a) A Simpatia atua livremente nas profundezas do mundo, percorre os espaços mais vastos (do planeta ao homem), desaba de longe e pode nascer de um simples contato, suscita o movimento das coisas no mundo e provoca aproximações das mais distantes. É o princípio da mobilidade. b) A Conveniência é designada pela vizinhança que as coisas se dispõem. Convenientes são as coisas que se aproximam e se emparelham, tocando nas bordas, misturando as suas “franjas”, a extremidade de uma designa o começo da outra. A conveniência pertence mais ao mundo (conveniência universal das coisas) onde as coisas se encontram. c) A Aemulatio está liberada da lei do lugar e atua imóvel na distância, sem deixar de ser um tipo de conveniência. A emulação é um tipo de geminação natural, pela qual os dois lados se defrontam. Há aqui uma espécie de reflexo e espelho, onde as coisas dispersas se correspondem no mundo e se imitam sem encadeamento nem proximidade. Apresenta-se como um simples espelho e reflexo. d) A Analogia assegura o afrontamento das semelhanças, os ajustamentos, os liames e a junção, mas uma analogia pode voltar sobre si mesma sem ser contestada. Por uma polivalência universal, a analogia possui um campo de aplicação universal em que todas as figuras podem se aproximar. Neste espaço sulcado em todas as direções, o homem representa um ponto privilegiado e saturado de analogia, por onde passam as relações sem se alterar nem se inverter.
Na Época Clássica (séc. XVII-XVIII), trata-se das três empiricidades (a vida, o trabalho, a linguagem). Se as ciências humanas se endereçam ao homem, na medida em que ele vive, fala e produz, é como ser vivo que ele cresce e que tem funções, necessidades. Em geral é na existência corporal que fez dele um entrecruzamento com o ser vivo. Mas ao produzir objetos e utensílios ou organizar uma rede de circulação ao longo da qual ele pode consumir e, principalmente, ele próprio pode se achar definido como elemento de troca - é do trabalho o que se refere. Por possuir uma linguagem, o homem pode imediatamente construir alguma coisa com um saber (que tem de si mesmo e do qual as ciências humanas desenham uma das formas possíveis).

Na Modernidade (séc. XVIII-XIX) – o triedro dos saberes: as ciências humanas (vida-biologia/psicologia, trabalho-economia/sociologia, linguagem-filologia/literatura etc.). O domínio de conhecimento das ciências humanas é recoberto por três regiões epistemológicas, regiões estas que se tocam, que se entrecruzam, regiões que mantêm a relação das ciências humanas com a biologia (ciência da vida), a economia (ciência do trabalho, da produção e das riquezas) e a filologia (da linguagem). Há uma região psicológica, uma região sociológica e outra região ligada ao estudo das literaturas e dos mitos. Não seria surpreendente referirmo-nos que a região psicológica se ligue à biologia. A região sociológica se ligue onde o indivíduo que trabalha, produz e consome, se dê a sombra de uma economia. E, finalmente, a região das literaturas e dos mitos nasce das leis e formas de uma linguagem.

Concluiu-se que o homem estava fora do campo do saber, de modo que as ciências humanas analisavam as empiricidades humanas. Além disso, tentamos chegar também a essa outra afirmativa: o saber é estratificado entre o que se diz (palavras) e o que se faz (coisas). Mas a interrogação que se promove gira em torno da articulação entre esses estratos, o que ou qual elemento é capaz de fornecer as estratégias que ligam as palavras às coisas? Este elemento é o poder, cuja arqueologia das ciências humanas somente iluminava as suas sombras.

Um comentário:

Drih disse...

trabalho muito bem feito, muito util em um trabalho similar no qual tenho q fazer, afinal esse autor é bastante complicado de entender