quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A Máquina de Visão (Paul Virilio)


A máquina de visão tem sua origem nas técnicas policiais e judiciárias, isto é, a evolução das técnicas picturiais, arquitetônicas, fotográficas, videográficas, cinematográficas e informáticas (à distância). Todas estas revoluções técnicas são frutos da modernidade, às voltas com o terror revolucionário (séc. XVIII-XIX), no momento em que a polícia carregava o “olho” como símbolo, mas ela mesma era uma polícia invisível, signo do próprio espião: investigar os espaços privados iluminando-os como eram iluminados os espaços públicos. O enunciado bem conhecido “tudo o que você disser pode ser utilizado contra você” retrata o perigo da comunicação numa investigação policial.

A datiloscopia proporcionará o declínio de todo tipo de inventário (das narrativas, testemunhas e descrição modelada), os interrogatórios que eram a base de tantos textos romanescos dos séculos anteriores serão refutados ao serem introduzidas as técnicas de datiloscopia como prova na instituição policial. A tiragem fotográfica servirá de técnica acessória importantíssima para as indubitáveis e imutáveis impressões digitais. A fotografia como instrumento de justiça servirá também com instrumento para o exército e a medicina: aplicabilidade útil para o criminoso, o soldado e o doente. A fotografia assume para a justiça uma função que não se sujeita às fraquezas do indivíduo e se atenta aos detalhes, testemunha objetiva. Na medicina as técnicas óticas são capazes de fazer ver aquilo que realmente não era visto: os microscópios, os telescópios, a radiografia.

No início do século XX, o caso particular de Edward Steichen foi notável quando encarregara de operacionalizar o reconhecimento fotográfico aéreo da expedição norte-americana na França, sob as ordens do general Patrick. Pode-se pensar desde então, a partir das fotografias aéreas, sobre o papel do especialista. O trabalho destes profissionais militares (comparado ao trabalho dos espiões, cineastas e fotógrafos civis) dependia de um isolamento nas zonas do exército. Enquanto o poder de demonstrar subjacentemente a guerra ao pessoal de retaguarda estaria sob a responsabilidade dos pintores-fotógrafos, desenhistas e gravadores nos jornais, almanaques e revistas ilustradas, inundados de documentos de ficção, de clichês habitualmente retocados.

O Ministério da Informação inglês julgava necessário, em 1940, o fim da difusão na imprensa de uma produção fotográfica militar estática, para poder compactuar com a mobilização de milhares de pessoas freqüentadoras das salas de cinema. O Ministério convenceu os diretores de cinema a incluir curtas-metragens (de 5 a 7 minutos) – precursores dos intervalos comerciais e inspirados em Hitler, quando declarou que a função da artilharia e da infantaria será assumida no futuro pela propaganda. A característica do cinema assumiu para Natasha Kinsk uma televigilância das suas metamorfoses artísticas. O cinema-espetáculo foi um outro meio resultante da continuação da guerra mundial, restituindo a história dos combates. Meio pelo qual a imagem acidental dos noticiários cinematográficos veiculou seqüências subliminares de montagens dos bombardeios, naufrágios, fotos de combates, etc.

O acontecimento que desviou o papel do fotógrafo do campo de guerra pode ser avaliado pelas ações de John Olson: quando expunha os pedaços de cadáveres sob a objetiva, os soldados alucinados pelas drogas, as mutilações das crianças e dos civis, por exemplo, a “guerra suja” no Vietnã foi fotografada. A guerra psicológica e terrorista põe em circulação este poder, o domínio sobre as mídias. As imagens fotográficas, videográficas e também a televisão, como meios de comunicação assumem a dupla função de comunicar e guerrear. Fala-se sobre um “arsenal de armas de comunicação”. Mas a relação entre guerrear e comunicar é recíproca, entendendo-se por isto tanto comunicar guerreando quanto guerrear comunicando. Numa sociedade de consumo em que se vive, a publicidade assalta nossos olhos e hábitos. A publicidade satura todas as esferas do poder indistintamente: um bombardeio ostensivo sobre a população mundial de 1.500 emissões publicitárias por dia, tanto as subliminares quanto as disfarçadas.

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